quinta-feira, 19 de abril de 2012

ALÉM PARAÍBA - ADELAIDE CARIJÓ

Por Mauro Luiz Senra Fernandes




Através de fonte oral, ela nasceu aproximadamente no início do século XX, na Fazenda da Serra Bonita. Pela sua aparência, demonstrava ser descendente dos índios Purís que desapareceram de nossa região no período de nosso povoamento.

Foi segunda esposa do lavrador Sebastião Maria que faleceu acidentalmente, caindo de cima de uma mangueira, em uma chácara pelos arredores do Bairro da Saúde.

Não se sabe a partir de quando, ela atravessava as ruas de Além Paraíba em busca de esmolas ou de um prato de comida; sua miséria era acrescentada pela falta de respeito à sua história. Era abordada por moleques e adultos, com insultos, deboches e apelidos, como o sonoro: “Sacode Carijó”, “matou o marido derrubando da mangueira”, e ela respondia com um grande praguejar e sofrimento.

Ela teve alguns filhos, entre eles: Adão e José, que durante certo tempo de suas infâncias a acompanhavam; mais tarde foram enviados para alguma entidade de “meninos abandonados”.
Dona Adelaide ficou só, resistindo a insultos pela cidade, até ser internada no Asilo Ana Carneiro, na Vila Caxias, onde viveu seus últimos dias de vida.

A sensibilidade da poetiza e professora Alice Mara de Araújo Teixeira Côrtes, numa sutileza amável descreve, resgatando através de versos, a pureza e a beleza de Dona Adelaide – a “Carijó”.

“VELHA DO ALÉM”

Alice Mara de Araújo Teixeira Côrtes

Andando descalça pelas ruas nuas
que são caminhos do rio
sorrio
Falando sozinha,
vestida com saia rodada
de barra em embabadada
blusa sobre blusas
no pescoço lenço e flores
na mão a manga carlotinha
colhida no quintal da vizinha – saboreio.
No momento estou em frente ao correio.
Hoje da ponte do Porto já olhei
o rio Paraíba passando, deslizando
e não havia ninguém mais o olhando.
É verão quente...
à noite tive dor de dente;
para passar tomei café bem quente.
Sinto o perfume do manacá
ao divagar
resmungo, matraqueio, conchilo
sou louca...
fiquei louca...
que magoa ter que carregar
a lata d’água morro acima...
eis a minha sina...
sou velha,
velha pobre,
velha louca
há tempos fiquei louca
perambulo pelas ruas
que são suas
mas vivo em um mundo que é só meu.
Ando. Ando falando.
Vou passando.
Penso andando:
- Detesto aqueles moleques que brincam
de pique do outro lado da calçada
e logo os escuto a gritar:
Sacode, Carijó... Carijó...
O som ecoa no ar
janelas se abrem de par em par
nos patamares corpos se debruçam
rostos aparecem, se divertem
carecem de alegria
todos riem, caçoam, entoam
o hino: Sacode... Sacode... Carijó...
Sacode... Sacode... Carijó
O saco sujo seguro firme.
Corro em direções
ajeito a bolsa pendurada de lado
o cajado se lança no ar
esbravejo xingamentos
todos, num só momento...
Meninos correndo.
minhas mãos tremendo
dispersos os perversos,
carros passando
todos olhando
flui: - Filhos da p...
Da corrida canso e longe escuto
o eco já perdido
Jóó...Jóó... Jóo...
Será que chamam aquele amigo de Jesus
que o padre falou na Igreja!
Sou velha...
Sou velha louca...
Velha irritada...
Magoada, esquecida...
- Que importa o instante que passa
faz parte do cotidiano
durante todo o ano.
Agora já é outra hora
o sol está a pino
nem sei que o momento existiu
apenas quero voltar a andar.
Pensando... cochilando...
Conversando... saboreando a esmola tropical
ouvindo o estridente repetir do pardal
na praça da estação abandonada.
seus filhos não fazem nada
sou a tola... sou a tola velha louca...
sou a velha cochichando baixinho
a passear pelo refúgio de sonhos só meus,
convivendo com o seu mundo
pelas ruas do Além.

Publicado no Informativo "NO TEMPOS DE DANTES" 24 de abril de 2007

4 comentários:

  1. são lindos os versos, fico feliz em conhecer um pouco sobre a Carijó, hoje moro em Timóteo e fico horas procurando alguma coisa para matar a saudade que tenho de Além Paraíba, gostaria de ver algo a respeito de João Boca Negra.

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  2. Como é interessante e prazeroso ver que a história de uma cidade não se faz apenas dos feitos das autoridades locais. Viva o povo!!! Também gostaria muito de saber mais sobre o Bocanega. Fui umas das crianças de provocou a Carijó e o Bocanega. Ria dos palavrões e morria de medo deles. Obrigadíssimo e parabéns!!!!

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  3. Adelaide Carijo era tia da minha avó Sebastana Guimarães de Souza. Alguns fatos relatados aqui neste blogo não batem com as histórias que minha avó contava. Sinto orgulho de fazer parte desta família!

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