domingo, 9 de maio de 2010

UMA FONTE HISTÓRIACA DO POVOAMENTO DE ALÉM PARAÍBA: Desembargador Francisco Bernardo Figueira - Além Parahyba

Por Mauro Luiz Senra Fernandes



Assim se chamava a minha cidade, observadas as regras da antiga ortografia.

Minha, porque nela fui criado e nela vivi até os 36 anos, ou mais precisamente, de dezembro de 1912 a junho de 1949.

Da irmandade de sete, todos alemparaibanos, somente eu nasci fora, na fazenda de Turiaçu, em Cataguases, antigo Arraial do “Meia-Pataca” que, em 1828, já contava “38 fogos brasileiros e várias aldeias de índios coroados, coropós e puris”.

Morávamos na casa da Sinhá Velha, viúva do Dr. Chiquinho Marques, perto da estação de São José, na Praça Coronel Breves. Das janelas de frente, nosso posto de observação, víamos as linhas férreas da Leopoldina e dos bondes-a-burro riscando paralelamente de fora a fora as ruas sem calçamento. Um correr de casas, a venda do Juca Alves, a casa do Sebastião Gama (o pai do Oswaldo, do Reynaldo, do Nivaldo e de outros “aldos” cujos nomes não retive, e ainda da Alayde e da Celanira). A casa do Dr. Junqueira era a mais bonita e avançada até o beco do Fórum, velho casarão que se destacava daquele lado da praça. Em seguida, vinha a casa do Sô Beviláqua; depois, era aquela que papai morava com os outros rapazes no seu tempo de solteiro e que mais tarde, muito mais tarde, veio ser a agência do correio, no tempo da Hercília Figueira, do Geny Ramos e do único carteiro, o Manoel Peroba. Outros sobradões completavam a fisionomia da praça, sobressaindo-se o do Colégio Americano, depois, sede do Colégio São José, fundado pelo papai. E tinha a casa do Pascoal Urso, pai do Miguel Urso, a da família do Dr. Jair Cunha, a do Sr. Augusto Jorge, Agente do Correio e o sobrado onde morava o Chiquinho Marques.

Do outro lado da rua destacava-se o sobrado do Carcacena, recentemente demolido.
No alto da ladeira, imponente e sólida, dominando a paisagem, a bela Igreja Matriz de São José, com seus portais de granito, tirado de pedreiras do Estado do Rio, seu altar trabalhado, mas sóbrio, e seu belo lustre de cristal importado, dádiva do Barão de Guararema, Luiz de Souza Breves. Mas, o que enfeitava a Praça Coronel Breves era mesmo o seu jardim (com seus canteiros bem cuidados, suas flores, seu coreto, os oitis e o cedro altaneiro), palco de todas as festas cívicas e religiosas, dos leilões do mês de maio e das retretas.

Os expressos, os mistos e os trens de carga da Leopoldina Railway enchiam de barulho e de fumaça as ruas tortuosas da cidade, desde o distante Porto Velho até o Bairro da Saúde.
Os bondes-a-burro ligavam a “minha cidade ao Porto Novo, centro comercial, passando pela Vila Laroca, depois de contornar um pitoresco coreto”.

Até o “distante” Porto Novo ia o vôo dos meus conhecimentos. Sabia, por ouvir dizer, que havia mais cidades e gentes além do Melo Barreto, rio abaixo e do Porto Novo, no acima, mas tudo ficava muito distante para um menino de cinco anos, filho do Dr. Edelberto e da Dona Placindina.

Só mais tarde, muito tempo depois, é que fui tomar conhecimento das coisas de minha terra, de seus fundadores, dos desbravadores, de suas matas, dos artífices, do seu progresso e de sua grandeza. Por que não registrar, ainda que sumariamente, o que me foi dado conhecer da história de Além Paraíba até a época dos bondes elétricos, em 1925?

Descendo da Bocâina em direção ao sul o Paraíba encontra o obstáculo da serra. Contorna-a em caprichosa curva e segue para o nordeste e vai coletando águas dos tributários paulistas, fluminenses e mineiros. “Rio ruim, acidentado”, na linguagem do gentio, corre em leito de pedras e desce em desnível acentuado na cachoeira de Sapucaia. Daí, segue em estirão abraçando ilhas, forçando passagens, lambendo o pé dos morros. Raivoso na época das chuvas, acalma-se na seca, fazendo remansos sob galhadas dos ingazeiros.

Obstáculo natural para a conquista das terras mineiras aquém Paraíba, exigiu a construção de portos e pontes. Suas margens e seu vale, coberto de opulentas florestas, era pátria de índios, de feras e de febres.

Em 1781, o governador da província, Dom Rodrigo José de Menezes encarregou o Tenente-Coronel Manoel do Vale Amado de construir o “Caminho de Menezes”, obra que, segundo Waldemar de Almeida Barbosa, foi feita pelo Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, cuja “inteligência minerológica” foi proclamada em Portaria do governador Luiz da Cunha Menezes.
Em 1784, o sargento-mór Pedro Afonso de Galvão de São Martinho fundou o “registro” de Porto Novo do Cunha, prestando, com a denominação, uma indisfarçável homenagem ao governador Cunha Menezes. Rio abaixo, à margem direita, na província do Rio de Janeiro, demorava o Porto Velho do Cunha.

Três quilômetros do “registro” (cartório), o alferes Maximiliano escolheu o local nas proximidades do Ribeirão Limoeiro para edificação da Matriz da Freguesia de São José do Parahyba.
Logo o território foi conquistado, abrindo clareira nas matas, rasgando-se caminhos por onde passam as tropas pesadas de mercadorias e mantimentos, construindo casas ao logo dos trilhos e à beira dos rios e córregos.

O porto, servido de barcos e canoas, era a porta de entrada para a província das Minas, para os que vinha da “Côrte”, constituindo-se ponto de partida e de referência para a demarcação das sesmarias.
A primitiva capelinha dos índios, construída em 1811, nas proximidades do ribeirão Limoeiro, foi substituída por uma igreja maior. Finalmente, construiu-se a atual Igreja Matriz, em São José. “A Igreja está ficando bonita”, registrou o Imperador Pedro Segundo, em 31 de abril de 1881, em seu “diário” de viagem pela província de Minas.

Mudou-se o nome do arraial para São José de Além Parahyba, para distingui-lo do São José do Parahyba, lugarejo situado nas nascentes do rio, em São Paulo.
Em 30 de outubro de 1890, pela Lei nº. 132, foi criada a comarca de São José de Além Parahyba, cujo nome passou a ser Além Paraíba, em virtude da Lei de Divisão Administrativa e Judiciária de 1924.
A fertilidade das terras proporcionou a abertura de prósperas fazendas, explorada, a princípio, sob o registro de sesmarias, concedidas pelo Governador da Província, com a área de meia légua em quadra, com reserva das margens dos rios navegáveis, para comodidade pública e da décima parte das matas virgens junto a córregos e rios, como vê-se no do livro de Macedo Soares, “Tratado Jurídico e Prático da Medição e Demarcação de Terras”, edição de 1887.

Derrubadas as matas, cuidou-se da lavoura de café que fez prosperidade de todo o Vale do Paraíba. O braço escravo construiu sedes suntuosas, lavrou a terra, abriu estradas. As fazendas se multiplicaram. Domínio dos nobres e potentados; algumas tinham vida quase independente, produzindo o necessário para o sustento de sua população de donos e servos da gleba. Desenvolveu-se o artesanato e, tirando o sal, que vinha da Corte, nas bruacas das tropas, tudo o mais era feito na própria fazenda, utilizando-se o ferro, a madeira, o couro, o algodão, etc.

A libertação dos escravos abalou a economia da região. Muitas fazendas entraram em decadência por falta de mão-de-obra. Cogitou-se da colonização estrangeira tendo o clube dos lavradores de Angustura conseguido algumas famílias italianas.

Ao contrário do que acontecia em São Paulo, onde a lavoura de café tinha longa duração útil, graças à fertilidade de sua famosa “terra roxa”, cedo tornaram-se improdutivos os cafezais plantados no município. O recurso era derrubar novas matas e assim, em pouco tempo, foram abatidas as florestas virgens, substituídas pelas capoeiras e pelos pastos.

Enquanto isso, a cidade crescia. Com a construção do ponto terminal da Estrada de Ferro Dom Pedro Segundo, em 1872, em Porto Novo, e implantação da Estrada de Ferro Leopoldina, cortando esta a cidade, de ponta a ponta, ganhou a região grande impulso. As oficinas da Leopoldina Railway, as fábricas de tecido e de papel e outros estabelecimentos industriais, fizeram da cidade um importante núcleo operário.

Os lampiões de querosene foram substituídos pela luz elétrica, gerada pelas águas do Aventureiro, Usina do São Luiz, de Adão Pereira de Araújo. Os bondes-a-burro cederam lugar aos elétricos. Rasgaram-se ruas. Construíram-se pontes ligando os dois Estados vizinhos e as ilhas do Paraíba. Pelas estradas empoeiradas ou enlameadas trafegavam os automóveis, os caminhões, as jardineiras.
Centro exportador do café produzido no município e adjacências, a cidade desenvolveu, espichando-se ao longo do rio, no vale, dos confins do Porto Velho, até o “quilometro 4”, para baixo do Bairro da Saúde, conquistando a aba dos morros, subindo pelas encostas.

Aqui se estabeleceram comerciantes, industriais, profissionais liberais.

Liberto o município do vínculo judiciário que o subordinava à Mar de Espanha, com a criação da Comarca, instalada em 31 de outubro de 1890, passou a contar com uma plêiade de advogados de nomeada.

No ano de 1935, Além Paraíba se destacava como centro comercial, industrial e intelectual de relevo, com suas fábricas, suas oficinas, seu comércio ativo, seus estabelecimentos de ensino, seu hospital, etc.

No meu caso, o “ontem” está ainda muito próximo do meu “hoje”. É certo que as imagens não têm a mesma nitidez. Nuvens batidas pela brisa dos dias, seus contornos se esgarçam e se desfazem. Mas o essencial fica e deve ser preservado antes que se perca no horizonte da noite que se aproxima.

Para que?

Para nada...

Fonte: Lembranças de Dantes - Mauro Luiz Senra Fernandes

Um comentário:

  1. "Parece-me poético saber aonde estava o meu sangue por estes velhos séculos; e, em meio aos acontecimentos que dia a dia vão urdindo a história humana, onde se situaram esses antepassados que não previam os seus descendentes, como nós não prevemos os nossos".

    Cecília Meirelles (70), em Escolha o seu Sonho

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