Por Mauro Luiz Senra Fernandes
O ano de 1895 foi de grande provação para esta cidade, debaixo do ponto de vista higiênico.
Desprovida de meios de defesa, sem água, sem esgotos, sem higiene pública e privada, indefesa, era natural que sofresse como sofreu, os efeitos desastrosos das epidemias de que foi vítima.
E nesse ano mortífero, foram três epidemias que aqui romperam.
A primeira – cólera morbus – a mais terrível pelo pavor que causa o enfermo que, muitas vezes falece em poucas horas depois de atacado pelo mal, cuja gravidade ele apresenta.
Seguiu-se a febre amarela que fez numerosas vítimas e, finalmente, a varíola, não menos terrível e apavorante do que as primeiras.
Incumbido pelo Governo do Estado (Dr. Paulo da Fonseca), naquela ocasião, de superintender os serviços de profilaxia e de combater a primeira e a terceira dessas epidemias, compreendi, pelas dificuldades quase insuperáveis com que lutei, que era materialmente impossível um ataque eficaz a qualquer morbus epidêmico sem hospitais de isolamento.
Fiz, então, construir barracões a fim de isolar os doentes conseguindo um melhor resultado. Mas gastava-se preciosíssimo tempo na construção desses barracões e, sendo assim, cheguei a conclusão que, durante quadras epidêmicas, despendem os Governos grandes somas na obra de combate ao mal que aflige à população; porém, com um único efeito, enterrar os mortos (Ilha do Lazareto).
Tal maneira de pensar que, então, externei francamente no meu relatório ao Governo do Estado.
Foi nessa ocasião que concebi a ideia de promover nesta cidade a fundação de um hospital que preenchesse inteiramente os seus fins, isto é, que pudesse receber e tratar doentes e que num dado momento pudesse, igualmente, servir de hospital de isolamento.
E assim, apelando para a grande generosidade deste povo – que não regateia simpatias e amparo a todas as idéias grandiosas – intentei a criação do hospital.
Um cidadão, já benemérito por muitos títulos e cujo nome se acha ligado a todos os melhoramentos que conta este município, o Exmº Sr. Barão de Guararema, veio igualmente amparar a nascente instituição subscrevendo o importante donativo de dez contos de réis, por si e por sua Exmª e piedosa esposa, a senhora Baronesa de Guararema. Já prestastes o vosso testemunho de gratidão a esse benfeitor, declarando-o sócio benemérito desta sociedade e determinando que seu retrato seja colocado no salão nobre do hospital.
Havendo começado os trabalhos do desaterro em 2 de julho de 1896, somente no dia 12 de outubro consegui colocar a primeira pedra do edifício principal, o que já representava uma grande soma de sacrifícios.
Abri, então, concorrência pública para a construção do edifício principal, depois de feito o orçamento pelo hábil engenheiro, Sr. Leon Gilson.
Dois concorrentes apresentaram-se – os Srs. E. Dafieno & Cia e José Lopes Ribeiro, com uma proposta, respectivamente, de 49.000$ e 46.000$. Naturalmente preferi a última que, além de mais vantajosa pelo preço, oferecia todas as condições de idoneidade.
Atacadas as obras em outubro de 1896, festas beneficentes aconteciam podendo, assim, sustentá-las até fins de 1897, quando se exauriram todos os recursos que até então foi possível adquirir.
A caridade é paciente e esperei. Até aí nenhum auxílio por parte dos poderes públicos foi concedido para a construção do hospital.
A mudança de situação política do município e os tristes dias de lutas estéreis que se seguiram, absorvendo todas as atenções, impediram a continuação das obras. Resolvi, então, mais tarde que, para interessar um maior número de pessoas no prosseguimento desse serviço e consultando os sentimentos religiosos da população e os meus próprios, fosse formada a Irmandade de Misericórdia, nos moldes de suas congêneres. Para isso, consegui uma reunião a qual compareceram muitas pessoas e organizamos, sob a presidência do digno e ilustre vigário desta freguesia, o Revmº Padre Carloto Fernandes da Silva Távora, o compromisso que foi remetido ao Exmº Sr. Bispo Diocesano, para a necessária aprovação. Por infelicidade, bastante demorada foi a solução provinda de S. Exª. recusando a aprovação solicitada para o compromisso, que somente mereceria o seu placet (petição judicial), caso lhe fossem feitas alterações profundas, a que não quiseram sujeitar os associados.
Foi, então, resolvida a fundação de uma sociedade civil e, em assembléia extraordinariamente concorrida, realizada no Paço Municipal em 2 de novembro de 1902, sob a presidência do nosso prezado consócio Capitão José Antônio Varela, foram aprovados os estatutos que nos regem que, publicados depois no Órgão Oficial do Governo do Estado, se acham registrados no Cartório de Registros Especiais desde 3 de outubro de 1903 para que pudessem produzir efeitos legais e fôssemos considerados pessoa jurídica.
Com a organização da Sociedade de Santa Casa de Misericórdia, como era natural, tomou mais impulso a idéia da conclusão das obras.
Eleita a diretoria, e dela fazendo parte cavalheiros do mais alto prestígio, resolveu-se a sua continuação.
A crise financeira que assoberbava o País entibiava o ânimo dos mais fortes.
Finalmente, resolveu a diretoria enfrentar as dificuldades e de novo recomeçar a ingente obra que tantos sacrifícios já havia custado.
As jóias dos sócios, mensalidades, alguns donativos e as festas que promovíamos em benefício do hospital, foram fazendo face à despesa da construção. Um auxílio poderoso tivemos da Companhia Leopoldina Railway, onde foram preparadas as madeiras a empregar-se na edificação. A isso devemos o belo teto deste salão e artística porta que a ele dá acesso.
Em 1904, o Congresso do Estado, por iniciativa do nosso consócio, o Sr. Tenente-Coronel Juvenal de Oliveira Penna, deputado por esta circunscrição, votou um auxílio de 2.000$ para esta Santa Casa.
Em 1905, ficou felizmente terminado o edifício principal do Hospital o que, entretanto, não habilitava a receber doentes, visto que faltava a construção das dependências para instalações higiênicas, cozinhas, etc, e não nos era possível prosseguir as obras por absoluta falta de recursos.
Em 19 de julho de 1908, Dr. Paulo Joaquim da Fonseca, publicou este relatório, aqui resumido, onde finalizou com estas palavras: “Farei desta casa um reduto de defesa a vossa saúde e de nossos semelhantes e um Templo de Amor ao próximo onde se pratique a caridade, essa medicina que emana do céu para aclamar as dores e suavizar o infortúnio dos desamparados da sorte, a caridade que aprendemos nos ensinamentos do Evangelho, a caridade paciente e benigna que sabe sofrer e esperar, aureolada sempre pela cintilação da fé”.
Salão Nobre do Hospital São Salvador
Adaptação do Relatório Apresentado pelo Provedor da Sociedade de Santa Casa de Misericórdia de São José de Além Paraíba, em 19 de Julho de 1908.
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"Cada homem carrega a história de todos os que o procederam. E faz, por sua vez, em certa medida, a história de todos os que o seguirão. Nenhum de nós começa do princípio. Nascemos no meio de nossa própria história".
ResponderExcluirAfirmação do Padre Daniel Lima registrada por Nelson Barbalho em seu Agreste Pernambucano e transcrita por Luís Wilson em sua obra Roteiro de Velhos e Grandes Sertanejos.