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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

MIGUEL ANTÔNIO PAIVA - Um Padre Que Fundou Uma Cidade

Por Mauro Luiz Senra Fernandes




A imagem de São José de Botas do final do século dezoito, é um marco do povoamento de Além Paraíba


Formação do Arraial de São José da Parahyba

Desde os primórdios momentos da mineração aurífera, especialmente após a Guerra dos Emboabas – 1709, a entrada e saída na Zona da Mineração começaram a ser controladas. Ninguém entrava ou saía sem permissão das autoridades reais. Em seguida, a proibição de abertura de novos caminhos nas direções Lestes (região que se encontra Além Paraíba) e Oeste. Nos caminhos oficiais havia uma severa vigilância militar e burocrática. A Zona da Mata Leste constituía-se em uma verdadeira barreira natural. Era intransponível em face das próprias condições naturais e dos indígenas que atacavam pequenos grupos ou pessoas isoladas.

A região de Leopoldina e Além Paraíba era considerada o último refúgio dos puris escorraçados pelos mineradores.

As escassas publicações ou artigos de jornais que versaram sobre o assunto, deram ao padre Miguel Antônio de Paiva as honras de ter fundado o primitivo núcleo que se transformou na cidade de Além Paraíba.

Padre Paiva, como era conhecido; nasceu na Freguesia de Santa Maria, Comarca de Chaves, Arcebispado de Braga – Portugal, filho de Manoel Antônio de Paiva e Maria Gonçalves, veio para o Rio de Janeiro onde foi ordenado presbítero.
Sua sesmaria, no “Sítio das Três Barras”, virando “Aventureiro”, cujo título data de 10 de dezembro de 1816, foi quase toda vendida, mais tarde, a Theodoro de Faria Salgado. Faleceu em outubro de 1826.

Conforme cita Falabella em “Os Sertões do Leste”, Padre Paiva deixou como herdeiro o Capitão Manoel de Almeida, contra quem Faria Salgado, em 1828, ajuizou uma questão judicial após seu falecimento.

Citam o Alferes Maximiano José Pereira de Souza (nascido em 1795) como tendo escolhido uma vargem para logradouro da Capela, perto das terras do Padre Paiva, em 1811, quando aquele Sacerdote sequer sonhava com a missão que lhe haveria de caber mais tarde.
Em 1816.quando o Padre Paiva aportou à margem do Rio Paraíba do Sul, já existia o Registro do Porto do Cunha, fundado em 1784 por Pedro Afonso Galvão de São Martinho, quando primeira diligência pelos “Sertões do Leste”.

Também, já existia o núcleo de povoamento em Porto Novo do Cunha que, hoje, como sabemos, constitui com Além Paraíba uma só cidade. Se o Padre baldeou-se para às margens do Rio Limoeiro, local menos endêmico, fê-lo porque, em 1812, o Revendo José Venâncio Ribeiro Filho, Vigário da Freguesia do Santíssimo Sacramento de Novas Minas de Cantagalo, por determinação do Bispo do Rio de Janeiro, já havia escolhido o terreno e erigido a cruz, demarcando o cemitério.

Na verdade, todavia, o Padre Miguel Antônio Paiva transformou-se numa figura lendária, vigário que foi da primeira Freguesia de São José da Parahyba, de 1818 à 1826.

O primeiro batizado feito pelo Padre Paiva deu-se a 26 de julho de 1818, na Fazenda Santana; o primeiro enterro, fê-lo de Felizarda Mina, escrava de Daniel Nunes de Montes, em 28 de setembro de 1818.
Foi numa vargem, distante três cordas e sete braças do Ribeirão do Limoeiro, a paragem escolhida para fixação do primitivo marco de medição e demarcação do quarto de terras que seria destinado ao logradouro da Freguesia de São José da Parahyba.

Padre Paiva pôs mão à obra e, no ano seguinte, fez erigir a ermita no local, onde havia um cruzeiro, nela colocado a imagem de São José, com a invocação de São José da Parahyba. Comprou de José Ângelo de Souza um outro terreno que mandou demarcar e medir judicialmente para patrimônio, cujos títulos forma registrados no Primeiro Tabelião de Barbacena, em 5 de janeiro de 1819.

Em 1835, ainda se erguia, à margem do Limoeiro, a Capela dos Índios – branca, simples, tendo em frente um pequeno cemitério, distante uns cem metros da casa onde residiu o Padre Paiva.
Parece não restar dúvida que Porto Novo nasceu antes de Além Paraíba.

A LENDA DO PADROEIRO

As lendas são para a história o que as flores são para vida: enfeitam-na. Embelezam-na. Dão-lhe matiz agradável, suave e pitoresco.

Em torno da imagem que Padre Miguel Antônio Paiva colocou na Capela dos Índios em 5 de janeiro de 1819, conforme seu próprio relato, formou-se uma lenda. A imagem existe, conservada na Igreja Matriz de São José em Além Paraíba.

Surgiu, pois, a lenda – fruto da crendice popular e sua simplicidade em explicar fatos não de todo esclarecidos.

A poesia do historiador alemparaibano Dr. Octacílio Coutinho traduziu o acontecimento – o achado do padroeiro e sua retirada das águas, da seguinte maneira:

O PADROEIRO



Diz à lenda que um dia, junto ao rio assentado,
Frei Miguel, mudo, sozinho, meditava preocupado.
Vez por outra a vista erguia, para o céu assim olhando,
Diz-se-ia que a Deus mesmo, algo estava perguntando.

Outras vezes à floresta, firme olhar endereçava,
Neste gesto de alguém, que uma coisa procurava.
Pensamento, longe, alheio, ao que existe neste mundo,
Absorto inteiramente, no cismar longo profundo.

Decisão muito importante, que tomar não decidia,
Quem si que mesmo o fervor, sua alma alivia.
- “Ó Senhor, a luz envia! Ó meu Deus, clareia a mente.
Que ajudar-me nessa hora, ó meu Pai, só tu somente!

Pois hesito, eu te confesso, e me perco e me confundo,
Aí de mim, um pobre cura, como tantos nesse mundo.
Pois prevejo que em torno, dessa igreja irá surgir,
Uma vila, uma cidade, e depressa progredir.

E desejo que ela fique, para sempre resguardada,
Sob o manto milagroso, de uma imagem abençoada.
Desventurado achar não posso, o padroeiro protetor,
Compaixão me ajuda agora, ó meu santo criador”.

Mal findara essa oração, Frei Miguel se aquietava,
E sentiu que a alma, enfim, duma angustia se livrava.
Algo então aconteceu, um milagre operou:
Eis que olhando o Paraíba, o coração quase parou.

Uma coisa, um objeto, lá nas águas distinguia,
O que era com certeza, o Vigário não sabia.
Mergulhou as mãos no rio, entre aflito e curioso,
Mui depressa retirando, o objeto precioso.

Só então se certificou, e sorriu feliz contente:
Deus lhe dava na verdade, um belíssimo presente.
A chorar ajoelhou-se, com a imagem abraçado,
Soluçando, ao rio, ao céu, enviou o seu “obrigado”.

Levantou-se. E a imagem fita, fato estranho logo nota,
Um perfeito São José, mas calçado com uma bota.
Respeitoso dá-lhe um beijo, e a venera humildemente,
Coloca-lo vai depois, na ermida piamente.

Vêm soldados, mercadores, vêm mulheres e o gentio,
A rezar aos pés da imagem, ofertada pelo rio.
São José d’Além Paraíba, logo foi denominado,
Padroeiro dessa terra, e por ela muito amado.



Fonte: "Os Sertões de Leste - Achegas para a história da Zona da Mata" - Celso Falabella de Figueiredo Castro

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