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domingo, 4 de abril de 2010

ÍNDIOS PURIS - PRIMITIVOS HABITANTES DA ZONA DA MATA MINEIRA - "Sertões do Leste" e o Contrabando de Riquezas Naturais

Por Mauro Luiz Senra Fernandes


Rio Paraíba do Sul margeando com os Sertões do Leste

























Até o último quartel do século dezoito, as terras do leste de Minas estavam cobertas de densas matas e permaneciam à margem dos avanços do branco. As autoridades da colônia e da capitania proibiam a abertura de caminhos e a vinda de habitantes para os Sertões do Leste que poderia se dar através dessa região, por julgarem que assim evitariam o contrabando de riquezas naturais, especialmente o ouro.

Na metade do século dezoito, comerciantes de plantas medicinais, principalmente de poaia, começaram a burlar as determinações oficiais e a penetrar nas misteriosas florestas virgens desses “Sertões Proibidos”. Iam também aventureiros que ambicionavam eventuais riquezas minerais. A princípio, a ocupação foi cautelosa devido à reação das autoridades e dos índios mas, à medida em que se apercebiam do relativo pacifismo dos mineiríndios dessas florestas, os brancos e associados passaram a aumentar suas incursões pelas terras do Leste. Assim, na metade do século, as autoridades deixaram de ignorar que devassadores já haviam aberto picadas nos sítios dos “Sertões Proibidos” e comercializavam a poaia com indígenas coroados (croatos), coropós (cropós) e puris.

Os indígenas encontrados pelos brancos na Zona da Mata, não eram originários da região, aí chegando em levas sucessivas desde o século dezesseis, provenientes do litoral fluminense, mais exatamente da baixada dos Campos dos Goitacazes, onde foram conhecidos por padre Anchieta, que descreveu como uma “sorte de gente da mais feroz existente por toda a costa”.
A raiz étnica dessas tribos permanecem em discussão; alguns pesquisadores os associam aos Jés, aparentados ao grupo dos Goitacás (Waitaka), outros aos Tupis. Todos, porém, faziam parte das antigas populações da costa brasileira.

Os deslocamentos desses grupos, na época colonial, começaram quando eles fugiram do litoral, logo após à Confederação dos Tamoios (1555-67), uma vez que esses passaram a invadir suas terras. Localizando-se mais ao norte, na região da foz do rio Paraíba do Sul, foram expulsos pelos portugueses por volta de 1630, passando a se internarem nas florestas do Rio de Janeiro.

Nessa migração, tomaram o rumo oeste, seguindo o curso do rio Paraíba do Sul e seus afluentes, principalmente os rios Muriaé, Paraibuna e Pomba, alcançando as fraldas da Mantiqueira no final do século dezessete e início do dezoito, fixando-se próximo ao Caminho Novo, porta dos Sertões do Leste. Pelo Muriaé, atingiram o Carangola, espalhando-se pelas planícies e serras.

Na época, a região vizinha ao litoral fluminense encontrava-se coberta por imensa floresta virgem: uma faixa de terra estreita nas proximidades de Mar de Espanha, que ia alargando para o norte, em direção às florestas capixabas. Essas matas formavam uma barreira natural ao povoamento dos brancos e, então, os índios permaneceram por quase dois séculos.

Aproveitando o abrigo natural que as matas ofereciam, os índios aí se estabeleceram, divididos em grupos familiares. Assim, na região do rio Pomba estavam os Croatos, os Cropós e os Puris (ribeirão do Meia-Pataca, áreas de Leopoldina, Serra da Onça; nas nascentes do rio Doce encontravam-se os “famigerados” Botocudos, índios temidos pela violência que empregavam contra os invasores de suas terras. No rio Xopotó, viviam os Caetés e na região do Muriaé, os Guarulhos (tribo de gente barriguda, bons comedores).

Distante dos descampados litorâneos, as tribos foram obrigadas a se adaptarem a novos costumes e meio de vida próprios do interior. Por exemplo: quando viviam no litoral, os índios usavam longos cabelos, os quais tiveram que ser cortados devido a vida nas matas; passaram a adotar um corte em forma de coroa, no alto da cabeça, à maneira dos sacerdotes, o que lhes valeu o apelido de Coroados.
Devido às migrações, os grupos foram se dividindo e se misturando a outros, adquirindo algumas características físicas e culturais diversas daquelas da tribo de origem.

Assim, grandes mudanças eram notadas na língua, sendo difícil identificar os grupos originais, a partir desses dados. Essas observações foram feitas por diversos viajantes estrangeiros que aqui estiveram no século dezenove.

Culturalmente, as tribos viviam no estágio de bandos de coletores e caçadores, com insipiente cultura material. Praticavam a caça, a pesca e a coleta de raízes e frutos. As mulheres faziam uma bebida (o eivir ou viru) com milho, o qual era mastigado para fermentar. Suas choças eram simples, cobertas de folhas, construídas inclinadamente, contra o vento. À época de viagens e caçadas nem construíam cabanas: cavavam suas camas no chão, o qual forravam com palhas. Depois de aldeados pelos brancos, passaram a praticar uma agricultura simples, apenas para subsistência, plantando mandioca, milho, tabaco, batata-doce, bananas, etc.

Igualmente simples era sua organização política, sendo seu líder escolhido pelas capacidades de caça e guerra. Também havia a figura do curandeiro, a quem competia as ligações com o mundo espiritual e artes das curas.

Quanto às guerras dos indígenas, elas podem ser vistas como sua forma de reagir a conquistas de suas áreas de ocupação tradicional. Assim, elas aconteciam contra outras tribos ou contra o branco.
As guerras dos índios contra os brancos visavam a manutenção de sua estrutura cultural e a defesa de seu território. Existem relatos de que povoações brancas foram desmanteladas pelos ataques indígenas.

Numa outra fase, ocorreram alianças entre brancos e índios para combater tribos mais fortes ou negros quilombolas. Algumas tribos eram usadas como “aliadas” ou como escravas.
Assim é que os Sertões do Leste começaram a ser desbravados com a penetração de aventureiros que vinham em busca de plantas medicinais, conhecidas pelos índios, que as colhiam e as trocavam por aguardentes.

Com o passar do tempo, esses índios se transformaram em guias para busca de pedras e metais preciosos e para abertura de picadas na mata, com a finalidade de instalação de novos caminhos. Alguns pesquisadores levantam a hipótese da utilização dos índios como guia para contrabandistas e prisioneiros do governo, que fugiam da vigilância dos “presídios” e das guarnições militares neles sediadas.

Vale ressaltar que, no mundo dos brancos, persiste a idéia de que o índio é inculto e vive mal, ou seja: mal alojado, mal vestido e mal alimentado, que precisa de religião, médicos brancos, etc. Foi com essas idéias que os colonizadores mineiros justificavam sua penetração nas terras indígenas. O resultado disso foi a aquisição de vícios, como o de beber aguardente e de doenças próprias do branco, para as quais não havia resistência.

Junte-se a isso os maltratos, o roubo de crianças para “educação” por fazendeiros e sitiantes e os abusos sexuais, para se entender as razões do quase total desaparecimento do elemento indígena.
Fonte: Adaptação do texto de Irenilda Cavalcante – Bacharel em Biblioteconomia e Licenciada em História

Os Remanescentes dos Antigos Habitantes
(Visão do Colonizador)


Índios em sua cabana – “Rugendas e o Brasil – Um ensaio sobre a Viagem Pitoresca”
Como não há referências que documentem a visita do nosso artista a aldeias Puri - “das mais primitivas do mundo”, acreditamos que este esboço foi feito com base no desenho e na descrição do Príncipe Maximiliano, à qual nosso artista acrescentou mais personagens e objetos, sem perder seu núcleo formador: o índio espera na rede, enquanto a mulher assa num espeto a carne, possivelmente de macaco.


O território em que hoje se ergue o município de Além Paraíba foi primitivamente habitado pelos índios Puris. Debret que esteve no Brasil por quinze anos, a partir de 1816, escreveu que o nome “Puri” tem sua origem na língua dos Coroados e que quer dizer “audaz” ou “bandido”. Assinalou que na época – segunda década do século dezenove – “erravam os selvagens nas solidões que se estendem desde o mar e a margem direita do Paraíba, até o Pomba, na província de Minas Gerais.”

Esses índios plantavam favas de mangalê, caratinga, batata-doce, banana-da-terra, servindo-se de cavadeiras de pau. Pescavam com timbó ou com balaios do feitio pouco mais ou menos dos jequiás, sendo de boca larga, trazendo uma armadilha para disparar e fechar a tampa.

Nadavam como peixes, faziam jangadas para o seu transporte e, montados em pau, atravessavam qualquer rio, exceto nos lugares de cachoeiras. Eram corredores e de sagacidade e esperteza admiráveis e, no mato andavam, sempre agachados. Eram dados ao furto e não eram leais.

Casavam-se por afeição: era toda forma de casamento e a respeitavam severamente. Faziam balaios, redes e panelas (enormes) de barro; as redes eram feitas de corda de embiruçu, tucum e de imbaúba branca. Conheciam raízes medicinais. Usavam cabelo comprido, andavam nus; as mulheres, porém, usavam um saco atado na cintura. Temiam o trovão. Os que faleciam eram enrolados ou atados com cordas e depositados com suas flechas, bodoques e demais objetos dentro de uma grande panela de barro e assim enterrados e, de tempos em tempos, voltavam os que sobreviviam àquele lugar para chorar o falecido.

Concorreu para o desaparecimento rápido dos remanescentes Puris uma epidemia de sarampo que apareceu alguns anos depois que os índios fizeram seu estabelecimento nas imediações de Feijão Cru (atual cidade de Leopoldina), provavelmente na terceira década do século dezenove. Sendo um mal novo, a epidemia tomou caráter e como a febre apareceu violenta, logo se atiraram à água fria. A mortandade foi grande. Tais eram os Puris – os índios que habitavam às margens do Cágado, do Novo, do Pirapetinga, do Aventureiro, do Angu.

O Puri deixou poucos vestígios onde foi soberano, no livro numero 01 de Batizados de Além Paraíba, que foi iniciado em 1818 pelo Padre Miguel Antônio de Paiva, primeiro pároco do Curato que abrangeu vasta região de mata, consta o batismo de índios, todos Puris, à exceção de um feito a 30 de dezembro de 1820, de Josefa Maria, da “Nação Gentia Coroada”. O mesmo ocorreu com o registro de óbitos do Arraial de Nossa Senhora das Mercês do Cágado (atual cidade de Mar de Espanha), iniciado em 1818, onde as anotações de indígenas se referem exclusivamente aos Puris.

Adaptação do texto de Celso Falabella de Figueiredo Castro – Os Sertões do Leste – 2ª Edição – 2001